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O mundo não é um aquário

Era uma vez (assim começam todas as histórias) um peixinho verde, inquieto, pensativo, habitante de um aquário classe média. Tinha companheiros de casa, comida e diversão com quem vivia no mesmo aquário. Pareciam até felizes, deslizantes na água azul com seixos depositados no fundo. O mundo para todos era o aquário.

Um dia, o peixinho verde viu uma instigante frase em grandes letras: "O mundo não é um aquário". E logo abaixo: "A vida não é um aquário". Quem se atrevera a colocar tais frases ali? A dona do aquário certamente não fora. Não era dada a isso. Mas, é de se convir, poetas e loucos também no mundo dos peixes há, e não são poucos...

Os demais peixinhos não se inquietaram; apenas ficaram curiosos. O pensativo peixinho verde logo se chamou ao silêncio. A mensagem o surpreendera demais. A mesmice dos dias o matava aos poucos. Acordar / dormir / comer / nadar no aquário, todo dia, dentro da mesma água, levava-o a uma grande infelicidade. A semente da mensagem caíra em coração fértil: o mundo não é um aquário, a vida não é um aquário!...

Dando-se coragem, pediu à dona do aquário que o deixasse partir. Era preciso! Logo, logo voltaria, prometeu-lhe em tom persuasivo. A senhora, muito boa, deixou-o sair, e o peixinho partiu. Descobriu que, fora do mundo do seu aquário, havia um arroio; depois do arroio, um rio; depois do rio, o mar!...

Ah! O mundo não é um aquário, a frase ressoava forte. O mundo é um mar com ondas, possibilidades e perigos, quietudes e riscos. O aquário em que tinha vivido lhe fizera a cabeça, assim como a dos outros peixinhos. Suas cabeças tinham o tamanho do aquário -- a mensagem o levou a essa descoberta. Desejoso de mudança, percebeu que, além do aquário de onde saíra, estava o mundo. Tomado de fervor incontido, decidiu voltar como prometera. Queria testemunhar o sonho, a vida nova, partilhar a felicidade. A memória não deixava os companheiros de aquário fora dos seus planos.

E assim aconteceu. Voltou. No início, o peixinho sonhava converter a todos, mas percebeu logo que mudar é desacomodar-se, mudar é reorganizar-se. Mudar não é fácil. Mudar é trocar valores, mudar é não nadar sempre do mesmo jeito, mudar é (re)ver o mundo com outros olhos, mudar importa em persistir. Há o primeiro entusiasmo, as primeiras danças e emoções; depois, as exigências da nova vida. A coerência é um bedel sempre a chamar a atenção. Nadar no aquário é mais fácil do que nadar no arroio, no rio, no mar...Mas, acaso, a vida é um aquário?... A vida não é um mar?...

O peixinho verde assim refletia, sofrendo os primeiros desânimos na missão, quando um jovem peixe lhe bateu no ombro, aliás, na barbatana, e lhe disse: "Quero o mar. A vida realmente não é um aquário." E os dois se foram...

Texto: Máximo Trevisan
Advogado e escritor

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